sábado, 14 de maio de 2016

OS PECADOS CONTRA O ESPÍRITO SANTO: pecados que "levam à morte".





PECADOS “QUE LEVAM À MORTE” OU CONTRA O ESPÍRITO SANTO.

Foi-me pedido por minha mãe que eu explicasse dois trechos das Sagradas Escrituras que são, digamos, um pouco “difíceis”: um está contido na Primeira Epístola de São João, capítulo 5 e versículos 16 e 17, e se refere a “pecados para os quais não se deve rezar” e o outro está contido nos Evangelhos de São Mateus, São Marcos e São Lucas e se refere ao pecado ou “blasfêmia” contra o Espírito Santo.
Realmente, numa “primeira análise” parecem um pouco estranhos, pois, os Santos Evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João parecem contradizer a infinita Misericórdia divina e o dever que nós cristãos temos de rezar pela conversão de nosso próximo e de todos os pecadores.

I)                 PECADOS QUE “LEVAM À MORTE”:
Transcrevo os mesmos versículos em duas versões: uma da Bíblia “Ave Maria” e outra da Bíblia da “CNBB”.

Bíblia Ave Maria:
16. Se alguém vê seu irmão cometer um pecado que não o conduza à morte, reze, e Deus lhe dará a vida; isto para aqueles que não pecam para a morte. Há pecado que é para morte; não digo que se reze por este.
17.Toda iniquidade é pecado, mas há pecado que não leva à morte.

Bíblia da CNBB:
16. Se alguém vê o seu irmão cometer um pecado que não leva à morte, que ele reze, e Deus dará a vida a esse irmão. Isso quando o pecado cometido não leva para a morte. Existe um pecado que leva para a morte, mas, não é a respeito desse que eu digo para se rezar.
17.Toda injustiça é pecado, mas existe pecado que não leva para a morte.

Este texto não pode ser lido fora de contexto. Explico. No contexto atual, isto é, na atualidade, nos parece muito estranho o Evangelista dizer que existem pecados pelos quais não se deve rezar... No entanto é preciso entender esse texto no contexto daquele tempo, isto é, dos chamados “tempos apostólicos” ou “primórdios da Igreja”, que englobam a segunda metade do século I,  todo o século II e a primeira metade do século III.  
Naquele tempo, os cristãos aderiam à fé com grande CONVICÇÃO. Quem se convertia, se convertia de verdade; “para valer”, como diríamos hoje em dia. Praticamente não havia, como existe hoje, cristãos “de faixada”, isto é, que são cristãos, mas, não vivem a sua fé. Assim, quem se convertia e pedia o Santo Batismo, o fazia com grande fé e convicção do que estava fazendo. Sabia que dali por diante teriam que levar uma “vida nova”, uma “nova vida em Cristo”, sem nenhum pecado, mesmo venial ou não grave. Sim. A “coisa” era levada bem a sério. Após o Batismo, não se admitia ao cristão ou à cristã que voltasse ao “homem velho”, pois, pelo Batismo, aquela pessoa estava “morta para o pecado”, em Cristo Jesus.
Assim, quando naquele tempo acontecia de alguém pecar venialmente, ele tinha que confessar suas faltas a toda assembleia de cristãos de sua comunidade. Já pensaram? Assim, a comunidade rezava pelo perdão daquele pecado e o sacerdote (presbítero ou bispo) dava o perdão do pecado e impunha uma penitência (muitas vezes bem severa).
Quando, por infelicidade (e isso era raro naqueles santos tempos) alguém cometia um pecado grave ou mortal, era praticamente EXCOMUNGADO, isto é, ficava FORA DA COMUNHÃO DA COMUNIDADE ECLESIAL. Vocês estão achando isso exagero? Quem se lembra do que aconteceu com Ananias e Safira, dois cristãos que tentaram enganar São Pedro com relação à venda dos bens que possuíam? Vocês lembram essa passagem? Já leram ela? Pois bem, a história foi narrada por São Lucas no livro dos Atos dos Apóstolos, capítulo 5, versículos do 01 ao 10. Façam uma pequena pausa e leiam esse trecho de Atos...
(transcrevo)
1. Um certo homem chamado Ananias, de comum acordo com sua mulher Safira, vendeu um campo 2. e, combinando com ela, reteve uma parte da quantia da venda. Levando apenas a outra parte, depositou-a aos pés dos apóstolos. 3. Pedro, porém, disse: Ananias, por que tomou conta Satanás do teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e enganasses acerca do valor do campo? 4. Acaso não o podias conservar sem vendê-lo? E depois de vendido, não podias livremente dispor dessa quantia? Por que imaginaste isso em teu coração? Não foi aos homens que mentiste, mas a Deus. 5. Ao ouvir estas palavras, Ananias caiu morto. Apoderou-se grande terror de todos os que o ouviram. 6. Uns moços retiraram-no dali, levaram-no para fora e o enterraram. 7. Depois de umas três horas, entrou também sua mulher, nada sabendo do ocorrido. 8. Pedro perguntou-lhe: Dize-me, mulher. Foi por tanto que vendestes o vosso campo? Respondeu ela: Sim, por esse preço. 9. Replicou Pedro: Por que combinastes para pôr à prova o Espírito do Senhor? Estão ali à porta os pés daqueles que sepultaram teu marido. Hão de levar-te também a ti. 10. Imediatamente caiu aos seus pés e expirou. Entrando aqueles moços, acharam-na morta. Levaram-na para fora e a enterraram junto do seu marido. 11. Sobreveio grande pavor a toda a comunidade e a todos os que ouviram falar desse acontecimento.
Pois é, irmãos e irmãs... Naqueles tempos os Apóstolos tinham que agir com maior rigor, pois, o Evangelho era encarado com seriedade, bem diferente de como é hoje em dia...  Além do mais, a lei evangélica esta começando a ser divulgada e implantada... Se já começasse “com moleza”, sem seriedade e responsabilidade, teria conseguido se implantar?
Pois bem, quando acontecia da pessoa se arrepender de um pecado mortal cometido e pedia perdão à comunidade, o presbítero ou o bispo que acolhia a confissão, antes de dar o perdão sacramental, impunham uma duríssima penitência como condição para o pecado fosse perdoado. E detalhe: avisando que no caso de uma reincidência não o seria mais! As penas realmente eram duras: meses e meses de jejuns e demonstração de humildade (p.ex. andar “vestidos de saco” e com cinzas na cabeça), peregrinar aos Lugares Santos e ali fazer penitências, servir aos pobres e necessitados durante muito tempo, não permitir a entrada no local da Missa (tinham que assistir do lado de fora), etc.. Tudo era feito para que aquela pessoa realmente demonstrasse e provasse à comunidade cristã à qual pertencia que estava verdadeiramente arrependida.
É por isso que o São João diz que a comunidade não estava obrigada a rezar por aqueles que cometeram pecados “que levam à morte”, para que os cristãos realmente temessem (e muito) cometer tais pecados!

No contexto atual podemos dar a seguinte explicação doutrinal à passagem:
Nos textos acima se vê claramente que o Evangelista não está falando de um “pecado qualquer”. Ele fala que há tipos de pecado que “levam à morte” e que “para esse tipo de pecado” ele diz que não se deve rezar... Como é que pode isso? Não nos parece, na atualidade, no conhecimento que temos da Misericórdia divina, um absurdo?
Irmãos e irmãs, há uma diferença muito grande entre os tipos de pecados e entre os tipos de pecadores. Não que não sejamos TODOS pecadores, mas, há pecadores que pecam por fraqueza ou tibieza e há pecadores que, infelizmente, pecam com pura malícia, isto é, por maldade ou por rebelião e/ou indisposição contra a vontade divina, assumida com plena permissão da consciência e vontade.
Infelizmente, isso existe: há pessoas que pecam por maldade mesmo, plenamente cônscias do que fazem e o fazem por que querem, chegando mesmo a se “deleitarem” no pecado, a terem “orgulho” do mal que fazem... Triste, não é?
Pois bem, tais pecados levam verdadeiramente à MORTE da alma... Praticamente não adianta rezar pelo perdão desse tipo de pecado, pois, a pessoa mesma não quer ser perdoada de forma alguma! Ela acha que está certa: como irá se arrepender? Para que haja arrependimento e perdão, primeiro é necessário que o pecador sinta ou reconheça que errou, que pecou... Uma pessoa que sente prazer ou orgulho pelo mal que fez, como irá se arrepender? Muito, muito difícil! Quase impossível!
Podemos continuar rezando pela conversão dos pecadores, de todos os pecadores! Porém, esses pecadores que estão afundados na maldade com plena consciência e consentimento da vontade necessitam de um grande milagre da Graça e de um grande esforço pessoal para sair desse estado de desgraça ou impiedade.
Uma pessoa que está “mergulhada” em pecados que “levam à morte”, necessita, de um grande arrependimento, de um profundo reconhecimento de que errou, de uma busca muito grande do perdão de Deus e da Igreja, através do Sacramento da Reconciliação, e de uma satisfação perfeita de seus pecados. Gente, isso não é fácil! É necessário um verdadeiro MILAGRE da Graça divina para que isso aconteça...  
O Apóstolo e Evangelista São João, já nonagenário quando escreveu suas Cartas, é muito realista e experiente: ele sabe que os tais “pecados que levam à morte” deixam a alma do pecador, ou melhor, alma do ímpio (ímpio ou ímpia é aquela pessoa que não tem mais em si o dom ou a virtude da piedade cristã) de tal forma envolvida pelo pecado que fica muito, mas, muito difícil mesmo a sua conversão.
Aproveito aqui o “mote” para falar sobre os pecados contra o Espírito Santo.

II)              PECADOS OU “BLASFÊMIAS” CONTRA O ESPÍRITO SANTO

Jesus nos fala do “pecado ou blasfêmia contra o Espírito Santo”, que, segundo diz o próprio Senhor, “não terá perdão nem neste, nem no século futuro” (isto é, nem nesta vida, nem no purgatório).  Vejamos os textos:
Por isso, eu vos digo: todo pecado e toda blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não lhes será perdoada. Todo o que tiver falado contra o Filho do Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no século vindouro. (Mateus 12, 31-32)
... “todo o que tiver blasfemado contra o Espírito Santo jamais terá perdão, mas será culpado de um pecado eterno”. (Marcos 3, 29)
“Todo aquele que tiver falado contra o Filho do Homem obterá perdão, mas aquele que tiver blasfemado contra o Espírito Santo não alcançará perdão”. (Lucas 12, 10)
O que Jesus quis dizer com essas palavras? Como é que pode? Como é possível alguém blasfemar contra Ele e poder ter perdão e alguém blasfemar contra o Espírito Santo e não ser perdoado? Que tipo de blasfêmia é essa?
Na verdade, pecar ou “blasfemar” contra o Espírito Santo não é apenas uma pessoa “dizer palavrões” contra a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, mas, a pessoa se colocar contra sua AÇÃO na alma. Como assim? Simples: todo e qualquer pecado do qual a pessoa não se arrepende, ou não quer se arrepender ou não acredita que possa ser perdoado, Deus não pode perdoar. O Espírito Santo é o Amor de Deus. Quando Deus perdoa, Ele exerce o seu Amor, sua infinita bondade e misericórdia. No momento do perdão, Deus Espírito Santo age com seu Amor. Pois bem, quando uma alma não está arrependida do mal que fez, obviamente não pede perdão a Deus, não é mesmo? Por isso, essa atitude da alma ÍMPIA (sem piedade) equivale a uma “blasfêmia” contra o Amor de Deus: o Espírito Santo. A alma simplesmente “recusa” a salvação, rejeitando a ação do Espírito Santo, isto é, sua advertência ou convite à salvação. A alma constrói uma “barreira” entre a Misericórdia de Deus e ela mesma...
Importante, aqui, que eu explique quais são os TIPOS ou MODOS de pecado contra o Espírito Santo. O Santo Catecismo da Igreja Católica ensina que existem SEIS tipos diferentes de pecado contra o Espírito Santo. Todos eles, na verdade, se correlacionam entre si. Envolvem ORGULHO, PREPOTÊNCIA, EGOÍSMO, CINISMO, RELATIVISMO, DESLEIXO e IMPIEDADE por parte da alma. Quem peca contra o Espírito Santo está muito afastado de Deus e numa condição de alma péssima, pois, para essa alma fica muito difícil a conversão. Por isso que Jesus fala que “será culpado de um pecado eterno”...


Quais são os tipos de pecado contra o Espírito Santo?

O Papa São Pio X (1903 – 1914), de santa memória, em Catecismo, classificou o Pecado contra o Espírito Santo em SEIS tipos. São eles:

- Desesperar da salvação: quando a pessoa perde as esperanças na salvação, achando que sua vida já está perdida e que ela se encontra condenada antes mesmo do Juízo. Julga que a misericórdia divina é pequena. Não crê no poder e na justiça de Deus.

2º - O segundo pecado é exatamente o inverso do primeiro, mas, é tão prejudicial quanto: a presunção de salvação, ou seja, a pessoa cultiva em sua alma uma ideia de perfeição que implica num sentimento de orgulho. Ela se considera salva, pelo que já fez. Somente Deus sabe se aquilo que fizemos merece o prêmio da salvação ou não. A nossa salvação pode ser perdida, até o último momento da nossa vida, e Deus é o nosso Juiz Eterno. Devemos crer na misericórdia divina, mas não podemos usurpar o atributo divino inalienável do Juízo.
O simples fato de já se considerar eleito é uma atitude que indica a debilidade da virtude da humildade diante de Deus. Devemos ter a convicção moral de que estamos certos em nossas ações, mas não podemos dizer que aos olhos de Deus já estamos definitivamente salvos.
Os calvinistas, por exemplo, afirmam a eleição definitiva do fiel, por decreto eterno e imutável de Deus.
A Igreja Católica ensina que, normalmente, os homens nada sabem sobre o seu destino, exceto se houver uma revelação privada, aceita pelo sagrado magistério. Por essa razão, os homens não podem se considerar salvos antes do Juízo.

3º - Negar a verdade conhecida como tal pelo magistério da Santa Igreja, ou seja , quando a pessoa não aceita as verdades de fé (dogmas de fé), mesmo após exaustiva explicação doutrinária. É o caso dos hereges.
Considera o seu entendimento pessoal superior ao da Igreja e ao ensinamento do Espírito Santo que auxilia o sagrado magistério.

4º - Inveja da graça que Deus dá aos outros. A inveja é um sentimento que consiste em irritar-se porque o outro conseguiu algo de bom. Mesmo que você possua aquilo ou possa ganhar um dia. É o ato de não querer o bem do semelhante. Se eu invejo a graça que Deus dá a alguém, estou dizendo que aquela pessoa não merece tal graça, me tornando assim o juiz do mundo. Estou me voltando contra a vontade divina imposta no governo do mundo. Estou me voltando contra a Lei do Amor ao próximo. Não devemos invejar um bem conquistado por alguém. Se este bem é fruto de trabalho honrado e perseverante, é vontade de Deus que a pessoa desfrute daquela graça.

5º - A obstinação no pecado é a vontade firme de permanecer no erro mesmo após a ação de convencimento do Espírito Santo. É não aceitar a ética cristã. Você cria o seu critério de julgamento ético. Ou simplesmente não adota ética nenhuma e assim se aparta da vontade de Deus e rejeita a Salvação.

 6º - A impenitência final é o resultado de toda uma vida de rejeição a Deus: o indivíduo persiste no erro até o final, recusando arrepender-se e penitenciar-se, recusa a salvação até o fim. Consagra-se ao Adversário de Cristo. Nem mesmo na hora da morte tenta se aproximar do Pai, manifestando humildade e compaixão. Não se abre ao convite do Espírito Santo definitivamente.


Bem, espero que essas explicações ajudem a esclarecer quaisquer dúvidas. Não deixemos de rezar pelos pecadores... Sempre! Tudo entreguemos a Deus para que Ele, pela intercessão da Santíssima Virgem Maria, dos Santos Anjos, dos Santos e Santas do Paraíso, possa alcançar a graça da salvação para muitos, pelos méritos infinitos da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Deus pode operar grandes milagres de conversão. Ele é o Senhor da Graça e a própria Misericórdia. Se muitos se condenam, não é porque sua Misericórdia é limitada, mas, porque, infelizmente, rejeitaram a Graça divina até o fim... 

(Giovani Carvalho Mendes, ocds) 

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